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Transgênicos: enquanto o mundo recusa, o Brasil aprova

segunda, 11 de maio de 2015 �s 15h16
Entrevista especial com João Dagoberto dos Santos

“Quando a empresa fala que só irá plantar uma pequena porcentagem de 2% a 3% de eucalipto transgênico, nós estamos falando de 20 a 30 mil hectares”, adverte o engenheiro florestal.

A aprovação do plantio de eucalipto transgênico, decidida no mês passado em audiência na CTNBio, teve uma repercussão internacional que pode ser contabilizada em mais de 100 mil assinaturas contrárias à aprovação, informa João Dagoberto dos Santos, em entrevista à IHU On-Line. Como reação às manifestações, afirma, o Ministério das Relações Exteriores votou contra a aprovação do eucalipto transgênico, enquanto o “Ministério do Meio Ambiente – MMA não esteve presente e não votou”.

Na avaliação do engenheiro florestal, os experimentos realizados para a aprovação do eucalipto transgênico foram “insuficientes, porque seguiram o procedimento de espécie de ciclo curto”, como a soja e o milho, e porque “em campo não ofereceram subsídios para as conclusões de que os eucaliptos não irão gerar impactos”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Santos explica que entre os possíveis impactos da produção de eucalipto transgênico, avalia-se a contaminação do mel ocasionada pelo pólen e o alto consumo de água. “O eucalipto transgênico não vai ter esse rendimento de 20% que estão prevendo, mas, supondo-se que terá este rendimento, irá criar um impacto gigantesco, tanto no consumo de água quanto no uso de insumos aloquímicos, porque vai se cortar o ciclo na época em que a floresta plantada está chegando no nível de estabilidade, momento em que pode controlar um pouco a quantidade de agrotóxicos que é utilizada”, pontua.

Segundo ele, nos últimos anos tem aumentado o número de pesquisas que analisam as consequências ambientais do uso combinado de agrotóxicos e transgênicos na agricultura. Por conta disso, “as empresas juntaram seus pesquisadores para acelerar alguns processos para poder ganhar tempo e aprovar a maior parte de processos e projetos possíveis”. No Brasil, frisa, “empresas estão querendo mudar as regras da CTNBio para agilizar os processos; argumentam que o processo atual de avaliação da liberação dos transgênicos toma muito tempo e, por isso, estão propondo a criação de comitês ad hoc externos para acelerar os processos de aprovação”.

João Dagoberto dos Santos é doutor em Recursos Florestais pela Universidade de São Paulo – USP e atualmente leciona na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo - Esalq/USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como foi o processo de negociação do eucalipto transgênico até a sua aprovação, no mês passado, na CTNBio?

João Dagoberto dos Santos – O que havia anteriormente dentro do escopo da CTNBio era uma proposta de outra empresa para a diminuição e mudança do teor de lignina do eucalipto. Essa proposta foi bloqueada pela CTNBio, mas aí a empresa transformou o projeto, argumentando que o eucalipto transgênico aumentaria a velocidade de crescimento dessa cultura.

Os argumentos dos membros da CTNBio que foram contrários à aprovação foram os mesmos de sempre, de que havia uma imprecisão no processo tecnológico da construção da genética do eucalipto em si. Argumentou-se também que o eucalipto transgênico traria um problema muito sério para silvicultura, porque os eucaliptos seriam árvores paraprodução de papelprodução de papel e isso afetaria toda a cadeia produtiva. As empresas perceberam que era um processo que não iria “colar”, então deram uma “amenizada” no processo e começaram a rever a lógica da tecnologia.

IHU On-Line – Como os membro da CTNBio reagiram ao argumento de que o eucalipto transgênico seria mais produtivo do que os demais, e isso permitiria reduzir a necessidade de área, liberando espaço para a produção de alimentos?

João Dagoberto dos Santos – A CTNBio não lida com essa questão. A não ser nós, pesquisadores, que levantamos questões referentes aos possíveis impactos, os demais membros da CTNBio dizem que não é papel deles tratar dos possíveis impactos, porque o que importa é a segurança da tecnologia. Se a tecnologia proposta estiver dentro das regras que foram estabelecidas, os membros da CTNBio dizem claramente que as demais implicações possíveis em relação a um organismo transgênico não é problema deles, e sim um problema do Ministério do Meio Ambiente – MMA e de outras instituições. Desse modo, isentam-se irresponsavelmente.

Na questão do eucalipto, o problema é que os procedimentos e os protocolos utilizados foram os mesmos usados para organismos de ciclo curto. Então, o mesmo protocolo que se usou para a aprovação da soja e do milho, como os indicadores biológicos, foram usados para a aprovação do eucalipto transgênico. Ocorre que esses indicadores utilizados são insuficientes e inadequados. A empresa contra-argumenta dizendo que sente muito, mas que não tem como voltar atrás, porque dedicaram anos de pesquisa na elaboração do eucalipto transgênico.

IHU On-Line – A discussão sobre a aprovação de um organismo transgênico é feita em outra instância, além da CTNBio?

João Dagoberto dos Santos – A aprovação de um organismo transgênico não existe em nenhuma instância superior à CTNBio. A única possibilidade de barrar a aprovação de um organismo transgênico, depois de aprovado pela CTNBio, é através da convocação do Conselho de Ministros — que está previsto no regulamento da CTNBio — e é a única instância que pode revogar essa decisão, mas isso nunca aconteceu. Como essa é uma política de Estado, o Estado assume que não vai rever e que não vai rediscutir a aprovação de um organismo transgênico, porque terá que admitir as falhas, e as falhas são inúmeras. Tudo que nós prevíamos — e está tudo registrado — como grupo crítico contra os procedimentos, e não contra a tecnologia, está se comprovando: aumentou a resistência dos organismos geneticamente modificados aos herbicidas e aos insetos, portanto a tecnologia não está funcionando; a produtividade também não é maior nos organismos transgênicos. A CTNBio atribui essas responsabilidades à empresa, mas isso é um absurdo, porque a empresa é responsável por fazer os estudos e ela mesma é responsável por monitorar as culturas transgênicas; trata-se de algo surreal.

O Estado assina embaixo; é parceiro e sócio das empresas na prática porque as próprias empresas fazem e monitoram todo o processo de desenvolvimento de um produto transgênico. Se precisar identificar uma falha, as empresas é que deverão fazer isso, mas elas não vão fazer isso nunca, como não estão fazendo. A única exceção é a própria Embrapa, que declarou que forçou um processo por uma contingência política, referindo-se ao feijão transgênico. Depois da aprovação do feijão, a Embrapa verificou que ele tem problemas, e não está liberando essa cultura transgênica, porque está admitindo que o que prevíamos à época da aprovação, em 2011, está acontecendo.

IHU On-Line - Como se dá a fiscalização dos impactos e das implicações dos cultivos transgênicos?

João Dagoberto dos Santos – O MMA é o responsável legal, ou deveria ser, mas se omite e nem participa das reuniões referentes ao tema. O MMA tem um assento dentro da CTNBio, mas nas últimas duas reuniões nem se fez presente. O responsável legal, que pode ser ele ou o Ministério Público, se omite e não se manifesta sobre a aprovação de transgênicos.


"Os 18 votos a favor representam sempre o quórum que é maioria absoluta"

IHU On-Line - Como as discussões são feitas antes de uma proposta transgênica ser apresentada à CTNBio? São feitas apresentações ao MMA?

João Dagoberto dos Santos – Não existem apresentações ou debates prévios, porque todos os processos são conduzidos como segredo industrial, com causas de confidencialidade. Quando os projetos são submetidos à CTNBio, os membros têm que assinar um termo de confidencialidade, segundo o qual não podem emitir informações sobre o assunto e tampouco informar que um novo organismo está sendo usado para criar um novo evento, seja lá qual for. Só os membros da CTNBio têm acesso a essas informações, mas eles nem aparecem nos processos, porque trata-se de segredos industriais. É uma situação muito orquestrada politicamente.

Aldo Rebelo, quando era deputado, fez uma coalizão e consultou a cúpula do governo para saber a posição sobre os transgênicos. No mês passado, antes da aprovação do eucalipto transgênico, Rebelo se reuniu com os membros da CTNBio e com a cúpula do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI, e declarou publicamente: “pesquisadores e cientistas que têm algum tipo de relação com movimentos sociais e ONGs são ignorantes e obscurantistas, portanto não é possível que pesquisadores sejam contra esta tecnologia”. Então, estamos em uma situação complicada, na qual a CTNBio e parte do governo estão capituladas.

Quem votou contra a aprovação do eucalipto transgênico foi o Ministério das Relações Exteriores, porque está vendo a repercussão desse caso no mundo inteiro: chegaram quase 100 mil assinaturas de instituições, indivíduos, embaixadas do mundo inteiro repudiando a aprovação. O Ministério do Meio Ambiente – MMA não esteve presente e não votou, e os outros representantes da agricultura familiar foram contra. Os 13 representantes do MCTI sempre votam a favor, nunca votam contra nada, votam em bloco, fazem pareceres de forma homogênea. Parece uma receita de bolo: eles olham, avaliam, seguem um script, e nunca perderam uma votação.

IHU On-Line – Considerando o alto número de votos favoráveis à aprovação do eucalipto transgênico, a declaração do Ministro Aldo Rebelo no dia anterior à votação influenciou na decisão de voto de alguns membros da CTNBio?

João Dagoberto dos Santos – Não, porque o número de votos aprovando organismos transgênicos é sempre alto. O número de votos favoráveis ao eucalipto transgênico só não foi mais alto porque alguns membros não estavam presentes. Os 18 votos a favor representam sempre o quórum que é maioria absoluta. Então, o Aldo não intimidou, ao contrário, fortaleceu os votos a favor e garantiu a segurança. A votação foi fechada, embora geralmente seja audiência aberta, mas nesse caso criou-se um esquema de segurança, porque os membros da CTNBio disseram que se sentiam inseguros e ameaçados com os eventos da ocupação do MST e da pressão popular. Não é a primeira vez que isso ocorre; outras vezes em que os membros da CTNBio se sentiram pressionados, outros ministros se sentiram obrigados a admitir e assumir publicamente a defesa da CTNBio, porque eles são coautores da atual engenharia que se criou para fazer esse processo.

IHU On-Line – Quais argumentos importantes foram desconsiderados pela CTNBio na ocasião do eucalipto transgênico? Que aspectos deveriam ser considerados antes da sua aprovação?

João Dagoberto dos Santos – Um dos argumentos foi o de que o eucalipto seguiu o mesmo protocolo de outras espécies, o que é um absurdo, porque ele é uma árvore. O outro argumento é de que os experimentos realizados são insuficientes, primeiro porque seguiram o procedimento de espécie de ciclo curto; segundo, porque os experimentos foram descaracterizados por vários motivos, e experimentos em campo não ofereceram subsídios para as conclusões de que os eucaliptos não vão gerar impactos. O tempo de experimentação é insuficiente, porque nós estamos falando de uma árvore de ciclo longo, perene, e as empresas estão considerando ciclos curtos. Os testes feitos com relação aos derivados, seja do eucalipto em si, seja do seu impacto ou das externalidades, que nós chamamos da relação do pólen e da contaminação, foram insuficientes e não conclusivos. Contudo, o argumento da empresa é de que isso não é importante, que eles vão plantar eucalipto transgênico, monitorar as plantações e, se houver algum impacto, irão reverter a situação.

Só que eucalipto não é soja e milho, que têm ciclo curto e que você pode passar um trator em cima e destruir a plantação. O setor florestal e a empresa — no caso, a proponente — têm mais de um milhão de hectares plantados no Brasil. Quando a empresa fala que só irá plantar uma pequena porcentagem de 2% a 3% de eucalipto transgênico, nós estamos falando de 20 a 30 mil hectares. Eles nem calcularam nem dimensionaram o impacto, porque fizeram o experimento em um hectare. Avaliaram um ciclo de polinização apenas, onde as colmeias entraram em colapso. Ou seja, todos os indicadores que podiam dar segurança à sociedade não foram respeitados, foram negligenciados ou feitos de forma artificial. Os próprios experimentos e as pessoas que eles contrataram, que têm relação com a empresa, admitiram que houve cortes de recursos, que não houve tempo de realizar as pesquisas e que o ideal seria prorrogar a decisão.

Entre as questões que para nós são significativas, uma delas é a do mel — da contaminação que o pólen pode ocasionar — e também a do consumo de água. O eucalipto transgênico não vai ter esse rendimento de 20% que estão prevendo, mas, supondo-se que terá este rendimento, irá criar um impacto gigantesco tanto no consumo de água quanto no uso de insumos aloquímicos, porque vai se cortar o ciclo na época em que a floresta plantada está chegando no nível de estabilidade, momento em que pode controlar um pouco a quantidade de agrotóxicos que é utilizada.

Além disso, todos os estudos admitem que o ganho sugerido pelo eucalipto transgênico não é real e não está comprovado. Além disso, os métodos atuais de melhoramento tradicional, de multiclones ou mesmo melhorias nas empresas, dentro da fábrica, no processo industrial, dão um ganho tão grande ou maior do que este que está sendo prometido.


"Como essa é uma política de Estado, o Estado assume que não vai rever e que não vai rediscutir a aprovação de um organismo transgênico, porque terá que admitir as falhas, e as falhas são inúmeras"

IHU On-Line – Como a lei de biossegurança é interpretada em casos de aprovação de transgênicos?

João Dagoberto dos Santos – As empresas seguem a lei de biossegurança, portanto, se isentam dizendo que só tratam da questão da biossegurança, ou seja, se a tecnologia está dentro dos parâmetros considerados aceitáveis. Então, as empresas usam as brechas da lei para tirar de si essa obrigação de avaliar os impactos dos transgênicos com profundidade. É uma lei “legal e imoral”, porque ela tem mecanismos que dão segurança às empresas no sentido de que as dúvidas e incertezas não atrapalhem os processos de aprovação dos transgênicos. Ou seja, as próprias empresas contribuíram para a construção da lei, e se acobertaram e se blindaram de uma forma muito eficiente. Dessa forma, quando há algum problema, é acionada a consultoria jurídica do Ministério, porque a CTNBio é um órgão do governo a serviço de uma pretensa evolução tecnológica do país, a serviço de empresas que só têm objetivo de lucro.

IHU On-Line - É possível estimar em que regiões do país serão plantados os eucaliptos transgênicos?

João Dagoberto dos Santos – Sim, porque a dona da tecnologia, a Suzano, via FuturaGene, que é a empresa de tecnologia, tem áreas plantadas em São Paulo, na Bahia, em Minas Gerais e, mais recentemente, no Piauí e no Maranhão. Eles irão plantar nas áreas deles. Os argumentos absurdos que usam é de que os primeiros clientes aos quais irão oferecer as mudas transgênicas são os agricultores familiares e fomentados, que são os mais possivelmente impactados pela contaminação do pólen.

Nós que somos contra o eucalipto transgênico — engenheiros florestais, professores de universidades, instituições —, não somos contra a tecnologia, porque seria um sonho ter um evento desse nível que realmente trouxesse o que se está prometendo, mas não é essa a questão, os plantios de eucalipto estão seguindo a mesma rota das culturas dos monocultivos agrícolas, estão sofrendo um sério ataque de pragas e doenças.

IHU On-Line – Qual a situação de outras culturas transgênicas já cultivadas?

João Dagoberto dos Santos – Os casos que chamam muito a atenção são o milho e a soja, que são nossos principais carros-chefes. Uma praga em algumas áreas de zona de plantio de soja, atualmente, é o milho, que está resistente ao processo e está se reproduzindo espontaneamente no meio das plantações de soja. Então, o milho está com vários problemas, porque inclusive a produção não está aumentando. Em relação à soja, a produtividade estacionou, cada vez mais existem ervas daninhas resistentes aos herbicidas, tanto que aprovaram o 2,4-D, porque todo o pacote anterior do Roundup se mostrou insuficiente.

Vários dados começam a aparecer em pesquisas no mundo inteiro, as quais estão mostrando os resultados desse pacote de transgênico com agrotóxico. As empresas perceberam isso e juntaram seus pesquisadores para acelerar alguns processos para poder ganhar tempo e aprovar a maior parte de processos e projetos possíveis. As empresas estão querendo mudar as regras da CTNBio para agilizar os processos; argumentam que o processo atual de avaliação da liberação dos transgênicos toma muito tempo e, por isso, estão propondo a criação de comitês ad hoc externos para acelerar os processos de aprovação. Mas se hoje os processos já são ruins, imagina com processos acelerados. O governo está totalmente à mercê da pressão das indústrias.

Fonte: www.portaldomeioambiente.org.br

 

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